Por Marco Antonio B. Paixão – Advogado da Goakira, especializado em franchising, direito societário e empresarial
O sistema de franquias no Brasil tem se mostrado um dos motores mais relevantes da economia e do varejo nacional. De acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF), o franchising movimentou aproximadamente R$ 273,083 bilhões em 2024. Esse crescimento não se limita aos grandes centros e chega a cidades médias e pequenas, levando marcas conhecidas a diferentes regiões e gerando empregos diretos e indiretos.
Entretanto, nem todo avanço vem sem desafios. O franchising também enfrenta controvérsias jurídicas, sendo uma das mais recorrentes o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, seja entre franqueador e franqueado, seja entre franqueador e colaboradores da unidade franqueada. Esse tipo de demanda tem provocado debates intensos na doutrina e na jurisprudência, trazendo insegurança para redes que buscam expandir e para investidores que desejam ingressar no setor.
A Lei nº 13.966/2019, que substituiu a antiga Lei nº 8.955/1994, trouxe avanços significativos para o setor, ao definir expressamente que a relação entre franqueador e franqueado não configura vínculo empregatício, tampouco relação de consumo.
Trata-se de uma relação civil-empresarial, pautada pela cooperação entre partes autônomas, com transferência de know-how, uso de marca e suporte técnico.
Entretanto, a autonomia contratual prevista no Código Civil não é absoluta. Ela deve ser compatibilizada com os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da vedação ao abuso de direito.
O problema surge quando há excesso de ingerência: se o franqueador define horários, interfere em contratações ou controla diretamente a rotina da unidade, pode-se abrir espaço para o entendimento de que existe subordinação, o que aproxima essa relação de um vínculo de emprego.
Outro ponto central é a Circular de Oferta de Franquia (COF). Sua entrega completa e transparente é indispensável para evitar conflitos futuros. O descumprimento desse requisito, além de gerar nulidade contratual, pode ser utilizado como argumento para reforçar a dependência econômica e fragilizar a posição do franqueador em eventual disputa.
Na prática, as disputas não se limitam ao mérito do vínculo, mas também ao foro competente. Durante anos, ações foram ajuizadas na Justiça do Trabalho sob alegações de subordinação. Contudo, em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADPF 1149, reafirmou que as discussões sobre contratos de franquia pertencem à Justiça Comum, pois têm natureza civil.
Mesmo assim, a decisão não encerrou a polêmica. Há casos em que a Justiça reconhece vínculo de emprego, principalmente quando se comprova que o franqueador extrapolou os limites do suporte e passou a exercer controle direto sobre a operação. Em contrapartida, outras decisões reforçam a legitimidade do modelo, entendendo que a padronização e a fiscalização da marca não configuram subordinação trabalhista.
Recentemente, o STF reconheceu a repercussão geral em um recurso (ARE 1532603), que ainda está pendente de julgamento, o qual discute o vínculo empregatício de um profissional autônomo que prestava serviços por meio de contrato de franquia. A decisão teve placar de 10 a 1 — com apenas o ministro Edson Fachin votando contra.
O caso ganhou atenção por envolver também situações de pejotização, o que amplia o alcance da discussão e pode impactar diversos modelos de contratação que hoje geram dúvidas sobre a existência (ou não) de relação de emprego.
Esse cenário oscilante gera dúvidas práticas: até onde vai a obrigação do franqueador em padronizar processos, e a partir de que ponto essa padronização se transforma em ingerência excessiva?
As controvérsias jurídicas sobre vínculo empregatício em franquias geram insegurança para franqueadores e investidores, especialmente em um cenário de alta competitividade e necessidade de expansão ágil. O risco de passivos trabalhistas e litígios prolongados pode comprometer a viabilidade econômica de redes franqueadas, afetando diretamente o varejo nacional.
A solução passa pela profissionalização. Contratos de franquia precisam ser claros quanto à independência das partes e aos limites de atuação do franqueador. A adoção de práticas de compliance, treinamentos jurídicos e manuais operacionais que diferenciem suporte de gestão são medidas recomendadas para evitar interpretações equivocadas.
Para minimizar esses riscos, é essencial que os contratos de franquia sejam elaborados com precisão técnica, prevendo cláusulas que delimitem claramente as responsabilidades de cada parte.
Redes menores, que dependem de acompanhamento mais próximo, devem redobrar a cautela para não ultrapassar os limites da autonomia contratual. A profissionalização do setor é fundamental para garantir a segurança jurídica e a sustentabilidade do modelo.
Conclui-se que o franchising brasileiro é um modelo consolidado e eficiente, mas sua continuidade depende de um ambiente jurídico estável e previsível. O reconhecimento indevido de vínculo empregatício em contratos de franquia pode desvirtuar a natureza civil da relação e comprometer a expansão comercial das redes.
Cabe ao Poder Judiciário distinguir, com rigor técnico, o que constitui controle de padrão de marca e o que configura subordinação trabalhista. Essa diferenciação é essencial para preservar a integridade do sistema de franquias e proteger os agentes econômicos envolvidos.
Do lado dos franqueadores, é imprescindível investir em contratos bem estruturados, respeitar os limites legais de atuação e assegurar que a independência do franqueado seja efetiva, não apenas formal. Com isso, será possível conciliar segurança jurídica, crescimento empresarial e confiança no modelo de franchising como vetor de desenvolvimento do varejo brasileiro.