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A linguagem como ferramenta jurídica na gestão de franquias

A forma como nos comunicamos diz muito sobre o tipo de relação que estabelecemos com o outro. Em ambientes corporativos, especialmente em contextos contratuais e institucionais, a escolha da linguagem não é um detalhe secundário: é ferramenta estratégica. O tom adotado em uma mensagem pode pacificar um impasse ou agravá-lo; pode reforçar a autoridade de quem comunica ou expor a fragilidade de sua posição. Saber quando ser direto, quando suavizar, quando esclarecer ou quando impor é parte essencial de uma comunicação eficaz, juridicamente segura e institucionalmente respeitosa.

No franchising, esse cuidado se torna ainda mais sensível. A relação entre Franqueadora e Franqueado é marcada pela independência operacional. De um lado, uma marca consolidada, com estrutura de suporte e diretrizes padronizadas; de outro, um operador que investiu capital e assume riscos em nome do modelo de negócio proposto. Entre eles, está a comunicação. É por meio dela que se prestam orientações, se corrigem desvios, se alinham expectativas e se administram conflitos.

Em situações delicadas, como o descumprimento contratual ou a insatisfação de um Franqueado, a linguagem utilizada é decisiva. Um comunicado excessivamente impessoal ou carregado de formalismos pode ser percebido como indiferente ou impositivo, agravando a resistência da outra parte. Por outro lado, uma abordagem excessivamente tolerante, que abdica de firmeza nos momentos que exigem reforço de autoridade, pode comprometer a percepção da liderança da Franqueadora e enfraquecer o cumprimento das diretrizes da rede.

Há casos, inclusive, em que uma escolha inadequada do tom da comunicação — por mais juridicamente embasada que esteja — tem o efeito contrário ao desejado: tensiona uma relação que poderia ser tratada com mais diplomacia, eleva o tom de uma discussão que ainda admitia diálogo e gera reações defensivas que poderiam ser evitadas. O conteúdo, por si só, não basta; a forma como ele é transmitido pode alterar completamente sua recepção.

O desafio, portanto, é encontrar o ponto de equilíbrio entre empatia e assertividade. Comunicações que tratam de padronização, revisão de processos ou orientações operacionais devem ser claras, técnicas e acessíveis, mas também devem preservar a hierarquia contratual. Já os comunicados de apoio, esclarecimento ou acolhimento em situações sensíveis exigem vocabulário mais ameno, cuidadoso e humanizado, de modo a demonstrar disponibilidade e respeito sem abdicar da posição institucional.

Do ponto de vista jurídico, a linguagem é também um mecanismo de prevenção de litígios. Termos excessivamente duros ou mal posicionados em e-mails, atas de reunião ou relatórios podem comprometer a estabilidade da relação contratual e gerar reações defensivas por parte do Franqueado, dificultando negociações e agravando impasses. Da mesma forma, instruções mal redigidas ou ambíguas podem ser interpretadas como autorização tácita, fragilizando a defesa da Franqueadora em eventual disputa.

Por essa razão, é essencial que as Franqueadoras desenvolvam políticas claras de comunicação institucional, capacitem suas equipes em linguagem técnica acessível e revisem estrategicamente os conteúdos transmitidos à rede. A escolha das palavras — e do tom — pode ser tão relevante quanto o conteúdo em si, funcionando como instrumento de alinhamento, prevenção e fortalecimento da relação contratual.

Imagem: Envato


(*) Julia Quiroga Cotarelli. Formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada atuante na área de direito contratual com especialidade em Direito Desportivo.